Avaliação a Valor Justo

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Paulo Victor Habib

31 de maio de 2023 ∙ Atualizado em 10 de dezembro ∙ 5 min de leitura

A AVJ é um método de mensuração contábil que permite a avaliação de um ativo pelo preço que seria praticado caso ele fosse transacionado em mercado. Conforme assinala Eliseu Martins, trata-se de um paradigma recente para o modelo contábil, que, superando a ideia de que ativos e passivos deveriam ser marcados pelo custo histórico de aquisição, passou a demonstrar o valor justo de ativos com imediata liquidez (como moeda estrangeira, ouro).[1]

                              O próprio Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) nº 46 define a AVJ como sendo o “preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data da mensuração”.

                              Note-se que não há espaço para a tributação de eventos de possível ocorrência. Não se oferece à tributação o que “seria recebido pela venda”. Aí está um ponto de necessário distanciamento entre o lucro contábil e o lucro real (lucro tributável). Se, por um lado, a contabilidade permite com a AVJ o reconhecimento do resultado antes do efetivo acréscimo patrimonial, por outro, o CTN limita a tributação federal da renda à estrita ocorrência do acréscimo patrimonial, que se dá com a alienação do ativo avaliado.

                              É a leitura que se faz do artigo 43 do CTN, que descreve o fato gerador do imposto sobre a renda como a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (art. 43, do CTN) da renda, assim entendida como: (i) o produto do capital, do trabalho, ou a combinação de ambos (art. 43, inciso I, do CTN); ou (ii) proventos de qualquer natureza (art. 43, inciso II, do CTN), desde que (seja por uma ou por outra hipótese) presente o acréscimo patrimonial.

                              A Constituição dispõe que o ITBI não incide na integralização em imóveis do capital de pessoa jurídica que não tenha por atividade preponderante a venda, a locação ou o arrendamento mercantil de imóveis (artigo 156, parágrafo 2º, inciso I). Regulando o dispositivo, o CTN define atividade preponderante como aquela responsável por mais de 50% da receita operacional da sociedade nos dois anos anteriores e nos dois anos posteriores à transferência (artigo 37, parágrafo 1º).

                              A regra, embora claríssima, tem sofrido tentativas de amesquinhamento por parte de municípios que, por leis próprias ou simples prática administrativa, limitam a imunidade ao valor do capital subscrito (isto é, ao valor de face das ações ou quotas emitidas), cobrando o ITBI sobre a diferença entre este e o valor de mercado dos imóveis colacionados. A questão está afetada ao STF em repercussão geral (Tema 796: “Alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens exceder o limite do capital social a ser integralizado”).

                              A celeuma provém do artigo 23 da Lei 9.249/95, segundo o qual “as pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado” (caput). Segue a lei: “se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos” (parágrafo 1º). Por outro lado, “se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital” (parágrafo 2º).

                              Ao ver dos municípios em questão (que não são todos ou sequer a maioria), a parcela correspondente ao ganho de capital que deixou de ser auferido (e submetido ao IRPF) na hipótese do parágrafo 1º sofrerá a incidência do ITBI, em atenção ao suposto princípio de que algum tributo há sempre de ser pago e à necessidade de preservação da finalidade das imunidades tributárias, que não vêm para beneficiar particulares.

                              Olhando mais de perto, percebe-se que se está diante de um falso problema, pois, na hipótese do parágrafo 1º, há identidade tanto (i) entre o valor de declaração dos imóveis e o valor de face das ações ou quotas emitidas, quanto (b) entre o valor de mercado dos imóveis e o valor de mercado das ações ou quotas com eles integralizadas.

                              Fica claro que a controvérsia decorre de um elemento alheio à tributação municipal. Os municípios se utilizam de um benefício concedido pela União e pretendem dele extrair algum ganho para si, sem que nada em sua esfera jurídica tenha sido afetado. De fato, se a integralização ocorresse pelo valor de mercado, tudo o que se teria seria a incidência imediata do imposto de renda sobre o ganho de capital, sem o nascimento de qualquer dever de ITBI. Por que razão a integralização por um valor menor (e contra ações ou quotas com um valor de face também menor) deveria atrair a incidência do imposto municipal?

                              Embora em outro contexto, a tributação por um ente político de benefício fiscal concedido por outro já foi analisada em profundidade pelo STJ. No EREsp. 1.517.492/PR (1ª Seção, relatora para o acórdão ministra Regina Helena Costa, DJe 1/2/2018), em que afastou a incidência de IRPJ e CSLL sobre créditos presumidos de ICMS (subvenções para investimento), a corte deixou claro que a pretensão fiscal ali analisada equivaleria à “possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou”, aniquilando “instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada no modelo federativo”.

                              E nem se alegue que a exigência aqui discutida teria assento no artigo 38 do CTN, segundo o qual “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”. Não se decide sobre a configuração da hipótese de incidência com recurso a elementos do consequente normativo, que só se instaura uma vez verificada aquela. A petição de princípio é insuperável.

                              Tampouco cabe invocar o princípio de que as imunidades só devem ser reconhecidas se atendidas as suas finalidades, para que não se transformem em privilégios odiosos. A imunidade em debate visa fomentar o surgimento de novas empresas e o crescimento daquelas já existentes, o que sem dúvida decorre da leitura aqui predicada — e é obstado pela visão restritiva posta sob censura.                               Isso sem falar que as imunidades, que só podem ser regulamentadas por lei complementar (Constituição, artigo 146, inciso II), decerto repelem restrições inconstitucionais trazidas por leis e atos normativos locais como a Lei 45/2011 do município baiano de Arporá, que “altera a redação do inciso IV do caput do art. 29 da Constituição Federal e do art. 29-A, tratando das disposições relativas à recomposição das Câmaras Municipais”.


[1] MARTINS, Eliseu. Ensaio sobre a Evolução do Uso das Características do Valor Justo. In MOSQUEIRA, Roberto Quiroga e LOPES, Alexsandro Broedel. Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos). Dialética. São Paulo, 2010, pp. 138-141

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