Testamento: instituto obsoleto na organização patrimonial da família brasileira contemporânea

Marcio Carvalho de Sá & Elaine Montenegro
Marcio Carvalho de Sá & Elaine Montenegro

3 de novembro de 2023 ∙ Atualizado em 10 de dezembro ∙ 5 min de leitura

A realidade é que, mesmo com um testamento em vigor, é necessário a realização do processo de inventário, bem como todos os ônus oriundos desse processo. Além disso, os desentendimentos entre herdeiros podem persistir, especialmente se houver questionamentos quanto à validade do testamento ou à sua interpretação. Portanto, a concepção de que o testamento pode, por si só, evitar conflitos familiares e tornar o processo mais fácil precisa ser revisto.

No entanto, à medida que a sociedade e as leis evoluem, surge a questão fundamental: será que o testamento ainda é um sistema eficaz e adequado para atender às complexas necessidades da preservação do patrimônio das famílias brasileiras contemporâneas?

Este artigo se propõe a explorar essa questão intrigante, argumentando que, embora o testamento tenha sido uma ferramenta vital no passado, seu lugar no atual contexto jurídico brasileiro é cada vez mais questionável, principalmente pela organização patrimonial da família.

Os Fundamentos do Testamento no Código Civil Brasileiro

O Código Civil brasileiro expressa em seu artigo 1.858 que o testamento é um ato personalíssimo que poderá ser mudado a qualquer tempo. No artigo 1.857 o legislador complementou dispondo que toda a pessoa capaz poderá realizar um testamento, desde que obedecido aos preceitos legais.

Para o jurista Arnold Wald, o testamento é um negócio jurídico causa mortis onde o testador dispôs sobre o seu patrimônio, estabelecendo a sua vontade para após sua morte, ou desejos de natureza não patrimonial que terão eficácia após o falecimento. Ou seja, podemos concluir que o testamento é a última manifestação de vontade, em vida, do titular do patrimônio.

No testamento, a manifestação de vontade do titular do patrimônio se esbarra na legítima. A lei permite ao testador dispor livremente dos seus bens desde que respeitada a legítima, ou seja, 50% dos seus bens devem ser destinados aos seus herdeiros necessários. Depois que a legítima é respeitada, vigora a vontade do titular do patrimônio.

A eficácia limitada do testamento na gestão do patrimônio familiar

O Código Civil traz três tipos de testamento: o testamento público previsto no artigo 1.864 e seguintes; o testamento particular previsto no artigo 1.876 e seguintes e o testamento cerrado previsto no artigo 1.868 e seguintes. Todos os três tipos de testamentos estão vinculados ao cartório de notas, sendo necessário testemunhas, distinguindo-se apenas na forma como são elaborados.

Acontece que o testamento como ferramenta para organização patrimonial e sucessória não é tão eficaz. Primeiramente, porque o testamento pode ser questionado judicialmente por um dos herdeiros, principalmente no que tange a vícios de vontades e formalidades legais não cumpridas, arrastando o processo de inventário por longos anos.

Como o testamento só tem eficácia depois da morte do titular do patrimônio, pode causar desconforto e brigas entre membros da família no momento da sua abertura.

Além disso, o testamento não evita o inventário. O inventário é um procedimento legal pelo qual os bens de uma pessoa falecida são inventariados, avaliados e distribuídos aos herdeiros ou legatários conforme a lei. O testamento é apenas um documento que pode influenciar como a distribuição dos bens ocorrerá, mas ele ainda faz parte do processo de inventário.

Se uma pessoa deixou um testamento válido, os termos do testamento serão considerados durante o processo de inventário para determinar como os bens serão distribuídos. No entanto, o inventário é necessário para garantir que todos os bens do falecido sejam identificados, avaliados e transferidos consoante a lei, mesmo quando há um testamento.

Ou seja, o testamento não evita o doloroso e oneroso processo de inventário e muito menos as brigas entre herdeiros oriundas desse processo.

CONCLUSÃO

Em suma, a análise crítica realizada ao longo deste artigo revela que o testamento, embora tenha sido historicamente considerado uma ferramenta essencial na transmissão do legado da família obedecendo às vontades do titular patrimônio, se tornou um instituto obsoleto, não conseguindo acompanhar as necessidades complexas que as famílias brasileiras contemporâneas necessitam no que tange ao patrimônio.

A despeito das boas intenções por trás da elaboração de um testamento, ele não é uma ferramenta capaz de evitar as contendas entre herdeiros ou eliminar o ônus e a dor associados ao processo de inventário.

A realidade é que, mesmo com um testamento em vigor, é necessário a realização do processo de inventário, bem como todos os ônus oriundos desse processo. Além disso, os desentendimentos entre herdeiros podem persistir, especialmente se houver questionamentos quanto à validade do testamento ou à sua interpretação. Portanto, a concepção de que o testamento pode, por si só, evitar conflitos familiares e tornar o processo mais fácil precisa ser revista. 

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Escrito por

Marcio Carvalho de Sá & Elaine Montenegro
Marcio Carvalho de Sá & Elaine Montenegro

Advogado especializado em Planejamento Patrimonial da Família, formado pela Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND UFRJ). Há mais de uma década usando Holding Familiar como grande instrumento de trabalho.

Sobre o autor
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